quarta-feira, 5 de junho de 2013

Ética do gratuito

(30 de Outubro de 2012 por Marco de Abreu)


Somos uma empresa social, que potenciamos a economia não monetizada (como chamamos a economia da generosidade) para criar uma economia monetizada para os nossos sócios. Neste enacting entre as duas economias (monetizada e não monetizada) geramos o nosso valor social. Para nós o dinheiro é um instrumento para a nossa acção, ajudar pessoas a empreender, a aprender a viver com a incerteza e a utilizar a incerteza a seu favor. Empreendedorismo.

Somos um instrumento de economia local, assente na pessoa e no seu sistema de organização local, a ideia que a pessoa pode construir esse sistema em colaboração com os outros. Mas sabemos como utilizar as redes globais para potenciar as oportunidades da nossa economia local, entendemos como a mediação tecnológica potência e amplifica o conhecimento humano, gerando valor global (economia).

Por último, utilizamos para financiar a nossa estrutura de custos o modelo de negócio da comissão de serviço. Para 'financiar' a nossa acção o modelo de negócio gratuito (economia da generosidade). 

Resumimos isto na frase, "somos uma empresa social de empreendedores para empreendedores".

Este gratuito é um gratuito de qualidade, é o melhor que cada pessoa sabe. É o melhor que eu, que estou a ler este documento sei, pois eu também posso participar. O outro (o que esta a fazer o workshop ou o aks experts) não é melhor que eu, apenas sabe mais do que eu no tema A. Mas eu também sei muito do tema B. Eu recebo e dou. Eu respeito e sou respeitado. É tão velho como a humanidade, ou pelos menos como Confúcio. Se 'Eu' sou o 'Outro' e o 'Outro' sou 'Eu', quando falto ao respeito ao outro, estou a faltar ao respeito a mim. Esta é a premissa base da ética do gratuito que aqui defendemos. Se decidi participar tenho direitos e deveres. Não tenho outra hipótese a não ser respeita-la.

Tudo começa com um acto de liberdade:

- O João Sem Medo Center decidiu ter uma oferta gratuita, de qualidade, à comunidade.

- A pessoa decidiu se inscrever ou participar nessa oferta.


É neste acto fundador, nesta acção primordial, que reside o fundamento desta ética. O João Sem Medo Center não era obrigado a ter uma oferta para mim, nem eu era obrigado a me inscrever. Mas assim que formulou a oferta e assim que eu aceitei participar, inicia-se uma relação de partes livres, com direitos e deveres, desde logo legais, mas muito mais importantes que estes, éticos.

O João Sem Medo Center tem o dever de me oferecer um serviço de qualidade, em respeitar-me como pessoa, em salvaguardar a minha informação, em perguntar a minha opinião, em ouvir-me e em fazer uso dessa informação para a sua evolução, para a sua melhoria, por forma a que eu continue a ter um serviço de qualidade. Por forma a que a comunidade seja auto-sustentada.

Por sua vez eu tenho a obrigação de honrar o meu compromisso, estar presente, chegar a horas, participar, colaborar com o outros, disponibilizar-me para aprender e para ensinar. Para partilhar. 

Sobre o valor do gratuito

É este gratuito sinónimo de coisa que não tem valor, ou que só é gratuito porque ninguém compra? Não. É gratuito por desenho, por modelo de negócio, por natureza (como é a Google). E sendo gratuito é de excelente qualidade, é o melhor que cada membro da comunidade consegue fazer, pessoas que tem empreendimentos realizados e uma história de vida. Pessoas cuja sua profissão é usar este conhecimento, que vivem dele. Simplesmente no contexto do João Sem Medo Center, disponibilizam de forma gratuita, porque estão na comunidade, porque estão ao abrigo da lei 'eu dou e recebo'. Dou do meu tempo e saber e recebo do tempo dos outros, saber dos outros. Porque me promovo e a minha actividade. Porque ajudo e sou ajudado. Porque participo na economia da generosidade.

Ser gratuito é sinónimo de qualidade. Do melhor que somos capazes em cada momento. Só assim estamos a altura de ajudar cada pessoa a construir o seu futuro, independente do seu poder económico, literacia, escolaridade, ou qualquer outro atributo.

Sobre a legitimidade da falta

Claro que é legitimo faltar. O meu filho ficou doente e tenho que ir busca-lo. Cai e parti a perna. Fui atropelado. Um cliente ligou-me e tenho que ir em seu auxílio. Claro que é legítimo faltar. Mas esta legitimidade não me desresponsabiliza. É exactamente ao contrário. Porque quero ser respeitado tenho que respeitar. Tenho que respeitar aquele que em vez de estar com os seus filhos ou com os seus amigos, decidiu disponibilizar do seu tempo para partilhar algo comigo que eu quero saber, por liberdade de escolha. Ele, generoso, partilha comigo e faz de forma gratuita. Eu, livre, decidi que me interessava. É enorme a responsabilidade, maior do que se eu tivesse pago. Se tivesse pago a pessoa teria a recompensa monetária. Não teria a recompensa do reconhecimento. Aqui, como não há a monetária, só a do reconhecimento. Se não venho, impossibilito a pessoa de ter a sua recompensa. Tão generosamente partilha comigo, eu aceito e ainda por cima não lhe recompenso. Não pode esta ser uma expressão de uma boa premissa ética.

Acresce o facto de, como as inscrições são limitadas, pelo imperativo de tempo e qualidade de serviço, ao inscrever-me limito o acesso a outro, que tem igual direito ao meu, apenas o decidiu exercer mais tarde. Se me inscrevo e não compareço, ofendo todos os outros que queriam estar presentes e não podem porque eu exerci a minha liberdade, mas não estive há altura da responsabilidade que esta me conferia. Se o outro faz o mesmo, eu nunca me vou conseguir inscrever ou estar presente. O feitiço voltou ao feiticeiro, qual boomerang ético, como explica a tragédia dos comuns. 

No caso de falta, e sempre que possível, é informar o João Sem Medo Center por forma a que este possa promover as diligências para que outro entre em meu lugar. A razoabilidade e o bom senso ponderam todos estes pressupostos. Afinal somos humanos. Falham as pessoas que representam o João Sem Medo center, falham as que são servidas. Mas tal facto nos isenta da responsabilidade. Exerce-la com sabedoria é a arte de todas as pessoas que se respeitam a si mesmas.

Por ser legitimo faltar, só devo me inscrever quando tenho boas garantias que vou conseguir estar presente (sabemos que não existe a certeza absoluta!). Em dúvida devo esperar, por forma a não limitar o acesso ao outro.

Sobre chegar a atrasado

Como o serviço é de qualidade, como é gratuito e como a falta existe, se chegar atrasado, o mais provável é a acção já ter começado, irei perturbar os trabalhos, não devo tirar o proveito e muito provavelmente perco o meu lugar caso, haja outras pessoas em espera. É legitimo, mas o atraso deve ser aceitável (na fronteira dos 15 minutos). Importa perceber que se começar tarde, acaba tarde, e todos tem compromissos a honrar. A interacção social obriga a esta responsabilização que os horários são para cumprir, com a flexibilidade necessária para o imprevisto mas sempre no respeito por cada uma das pessoas

Sobre ser sócio


É maior a responsabilidade, pois decidi livremente entrar nesta comunidade e respeitá-la. Ao assumir um pressuposto errado (gratuito é mau, não faz mal faltar, posso chegar atrasado), não só tenho impactos sobre o outro, sobre mim, como também prejudico a imagem do João Sem Medo Center e da comunidade com a qual me identifico e me decidi associar. Sendo estes instrumentos importantes na apresentação pública da acção do João Sem Medo Center, inibo que mais pessoas possam conhecer a nossa mensagem e dar o seu contributo à comunidade, o que prejudica a comunidade e, por consequência, a mim próprio. Como leva tempo a sentir esse efeito, tomo como não existente. Não o devo fazer. 

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